"O caminho e o caminhante"
“O caminho e o caminhante”
O nosso tema no primeiro semestre de 2011 buscou inspiração, entre outros, no poema de António Machado:
Caminhante, são teus rastros
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
A vida é feita do viver de cada dia, dos encontros que acontecem, de como lidamos com o que surge. As viagens, com suas provações, descobertas, imprevistos, são uma metáfora quase perfeita para o caminho da vida onde o planejamento é importante, mas não é tudo.
O cinema tem usado as estradas, as viagens e os viajantes como cenário, tema e personagens ideais para expressar a inquietação humana frente à tarefa de viver até o final da jornada, a morte. Esse tipo de filme é denominado de “road movie”, filme de estrada. Pegar a estrada, seja em uma Harley-Davidson, seja em uma Kombi, ou mesmo em um foguete, como em Apollo 13, nos permite, com os personagens, realizar um pouco do espírito aventureiro humano, em jornadas e territórios não conhecidos.
O objetivo consciente da viagem pode ser a procura do Santo Graal como em um filme da série Indiana Jones, pode ser a despedida de solteiro como no filme Sideways, ou a procura do Mágico de Oz, a ida para um casamento como em A família rodante, ou a busca do filho como em Transamérica, mas ao final, os personagens terão feito uma outra viagem, essa interior, percebendo melhor quem são. Como diz Contardo Calligaris em uma crônica: “Viajar é isto: deslocar-se para um lugar onde possamos descobrir que há, em nós, algo que não conhecíamos até então.”
Segundo Walter Salles, os road-movies mais interessantes são “aqueles em que a crise de identidade do protagonista da história reflete a crise de identidade de uma cultura, de um país”. Segundo essa idéia, poderemos citar, entre outros, Easy Rider, O céu que nos protege, A caminho de Kandahar, Cinema Aspirinas e Urubus e Central do Brasil. Na Natureza Selvagem é, também, um belo exemplo.
A jornada da vida pode ser dividida em “crises de idade-dobradiça”, expressão do psicanalista italiano Antonino Ferro. Segundo ele, os momentos de passagem entre idades significativas vão ficando cada vez mais complexos, conforme vamos passando por eles. Nosso psiquismo tem uma enorme tarefa: fazer luto por aquilo que está se perdendo, abrir um espaço para o novo que aparece e metabolizar todas as emoções ligadas a esse processo. Não por acaso, muitos road-movies têm essa problemática como central. Como em Morangos Silvestres.
Freud, em seu artigo sobre o início do tratamento, ao explicar aquilo que denominamos de associação livre, isto é, um convite ao analisando para que fale tudo que lhe vem à cabeça, sem escolha e censura, recomenda: “Conduza-se como um viajante que vai junto à janela do vagão e descreve a seus companheiros, como a paisagem vai mudando ante seus olhos.”